O Momento Certo

Uma das teorias sobre a origem do universo mais aceitas hoje é que há cerca de 14 bilhões de anos, todo o universo concentrava-se em uma 'singularidade', isso é, um ponto de dimensão muito pequena. Isso é difícil de imaginar, mas muitos modelos matemáticos apontam para essa possibilidade. Claro que ainda não havia matéria como nós conhecemos, pois os átomos não haviam se formado. Existiam apenas as partículas mais elementares, os quarks, léptons e bósons. Também não havia 'espaço' e não havia 'tempo'. Por alguma razão, ocorreu então o Big Bang, que iniciou o espalhamento dessas partículas para formar o que entendemos como espaço. Esse espalhamento foi muito rápido. Um milionésimo de segundo depois, o universo já tinha esfriado para 'apenas' 1 trilhão de kelvins (perto disso, o Sol é um picolé com apenas 5800 kelvins na superfície). Com essa temperatura mais baixa, as partículas elementares puderam se agregar para formar partículas maiores, os prótons e os nêutrons (o elétron é um dos tipos de lépton), e daí os átomos, primeiro os menores (hidrogênio) que pela ação das formas gravitacionais, se agruparam formando as galáxias e estrelas. No núcleo das estrelas, com a alta temperatura e pressão, o hidrogênio forma o Hélio, cujo átomo é maior, com uma sobra de energia (luz e calor). Ao passo que o hidrogênio da estrela vai acabando, a pressão no núcleo da estrela se torna insustentável e a estrela explode - são as supernovas. Átomos maiores são formados (carbono, ferro, etc.), e os planetas, e tudo o resto. Assim, as partículas do seu corpo já estiveram em alguma estrela...

Mas o que é o "momento certo"? Já chegamos lá. Uma razão para se acreditar no Big Bang é que, segundo todas as evidências, o universo está em expansão. Ou seja, não importa para onde se olhe, tudo está se afastando. Invertendo o filme, chega-se ao Big Bang e à partícula inicial. O problema é o seguinte: os cálculos não batem. Quer dizer, considerando os valores observados da velocidade da expansão do universo, ela é lenta demais. Em outras palavras, com a massa total estimada do universo, ele teria se expandido muito mais rapidamente e já devia ter virado poeira. Porque o que impede a expansão é a força gravitacional, e ela depende da massa. Então, tem que haver mais massa, matéria que está freando essa expansão. Ela simplesmente tem que existir. Como não a vemos, foi chamada de 'matéria escura'. Não é porque é preta, ou porque não emite luz - é porque ela pode ser medida e estudada, mas nunca foi detectada. Ninguém sabe do que ela é feita, mas ela está ali, e é responsável por impedir que o universo vire pó.

Mas, a matéria escura resolveu apenas uma parte do problema. Se existissem apenas a matéria visível e a matéria escura, o universo já teria colapsado. Alguma coisa mantém o ritmo de expansão como ele é medido. Chamou-se essa alguma coisa de 'energia escura'. Do mesmo modo que a matéria escura, a energia escura está lá, pode ser calculada e medida, mas jamais foi detectada, e ninguém conhece sua natureza. 

Esses conhecimentos não são novos. A existência da matéria escura e da energia escura já é basicamente aceita como a melhor explicação para o equilíbrio que mantém o universo se expandindo no ritmo observado agora. Na verdade, o equilíbrio entre elas é que mantém o universo como nós conhecemos 'em pé'. E qual é esse equilíbrio? 

Segundo os cálculo atuais, o universo é composto por 27% de matéria escura e 73% de energia escura (lembrando de que energia e matéria são basicamente a mesma coisa, E=mc²). Dos 27% da matéria escura, apenas cerca de 16% é matéria como nós conhecemos (os elementos da tabela periódica). Ou seja, do universo, só 4% é o que chamamos 'matéria', que constituem as galáxias, planetas, animais, insetos, etc. Os restantes 96%, não sabemos...

Estamos quase chegando ao "momento certo". Esse equilibro, que, conforme se sabe, é um dos pilares para a existência do universo, e portanto da nossa, foi atingido cerca de 3 bilhões de anos depois do Big Bang, e deverá durar até o universo ter a idade de 50 bilhões de anos. E aí é que está o incrível, o "momento certo": esse intervalo de tempo, de 3 a 50 bilhões de anos, que pode parecer muito para nós, não é. Na escala de tempo do universo, ele é muito curto. Basta lembrar que as primeiras mudanças importantes depois do Big Bang aconteceram milionésimos de segundos depois do Big Bang. Na verdade, muitas aconteceram bem antes (0,00...(43 zeros)..1 de segundo, ou seja 10 elevado a -43). Se contar desse momento até a idade de 3 bilhões de anos, temos que multiplicar por 10 elevado a 60, ou seja 1000000...(sessenta zeros). Mas para ir de 3 bilhões para 50, multiplicamos apenas por menos de 20! Quer dizer, esse intervalo de tempo de 'universo em pé' é de apenas uma fração de segundo 'universal'. O universo tem 14 bilhões de anos - estamos precisamente dentro desse intervalo. Quer dizer, em uma janela de tempo muitíssima pequena, a vida 'surgiu'. 

Esse fato tem várias consequências filosóficas. Por um lado, sustenta as convicções dos que atribuem um projeto inteligente ao universo. Conforme os chamados fundamentalistas religiosos, isso demonstra que um poder mais elevado deve ter feito as coisas exatamente para nós, ou seja, houve um princípio antrópico. Não que isso faça cientificamente sentido, pois, tendo Ele tal poder, poderia ter simplesmente pego um atalho. Por outro lado, se se optar ver Deus na ótica do filósofo Spinoza (Deus está em tudo), não se pode deixar de admirar esse fato.

TYSON, N.: Origens:catorze bilhões de anos de evolução cósmica. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.

© Marco Antonio Simoes 2017