Hans Cristian Andersen

Arquivo original: http://masimoes.pro.br/trad/claus/claus_ori.pdf 

Tradução em formato de texto: http://gg.gg/12puu3

Glossário: http://gg.gg/12puri


Numa aldeia viviam dois homens que tinham o mesmo nome. Ambos se chamavam Claus, mas um deles possuía quatro cavalos e o outro possuía apenas um cavalo. Então, para distinguir entre eles, as pessoas chamavam o homem que tinha quatro cavalos Grande Claus e o homem que tinha apenas um cavalo Pequeno Claus. Agora, vou contar-lhes o que aconteceu com esses dois, pois esta é uma história verdadeira.

Durante a semana toda, Pequeno Claus tinha que arar para Grande Claus e emprestar-lhe seu único cavalo. Em troca, Grande Claus emprestava a Pequeno Claus todos os seus quatro cavalos, mas apenas por um dia na semana, e tinha que ser domingo.

Cada domingo, todo orgulhoso, Pequeno Claus estalava o chicote sobre todos os cinco cavalos, que eram como se fossem dele, neste dia. Como brilhava o sol e como eram alegres os sinos da igreja que tocavam no campanário! Como estavam bem-vestidas as pessoas que passavam por ele, com livros de hinos debaixo dos braços! E enquanto caminhavam para a igreja para ouvir o pastor pregar, olhavam admirados para ver Pequeno Claus arando com todos os cinco cavalos. Isso o fazia sentir-se tão orgulhoso que ele estalava o chicote e bradava:

— Vamos lá, todos vocês, meus cavalos!

— Você não deve falar assim — censurou-o Grande Claus. — Você sabe tão bem quanto eu que apenas um desses cavalos é seu. — Porém, assim que outro grupo de frequentadores da igreja passava por ali, Pequeno Claus esquecia que não deveria dizer isso e gritava: — Levantem-se, todos vocês, meus cavalos!

— Não diga isso de novo — repreendeu-o Grande Claus. — Se disser, vou bater no seu cavalo até ele cair morto; vai ser o fim dele.

— Você não vai me ver dizendo isso de novo — prometeu Pequeno Claus. Porém assim que as pessoas passavam acenando para ele e desejando-lhe: — Bom dia! — ele ficava tão satisfeito e tão orgulhoso de como parecia imponente ter cinco cavalos arando seu campo, que gritava novamente: — Levantem-se, todos vocês, meus cavalos!

— Vou pegar seu cavalo para você — disse Grande Claus. E, pegando um martelo de amarração, bateu com tanta força na cabeça do único cavalo do Pequeno Claus, que o cavalo caiu morto.

— Agora eu não tenho nenhum cavalo — lamentou-se Pequeno Claus, começando a chorar. Por fim, ele esfolou o cavalo morto e pendurou o couro para secar ao vento. Em seguida, enfiou o couro seco em um saco, pendurou-o no ombro e foi vender o couro na cidade mais próxima.

Era um longo caminho a percorrer, e ele tinha que passar por uma floresta escura e sombria. De repente, caiu uma terrível tempestade, e ele se perdeu. Antes que pudesse se orientar novamente a noite o alcançou. A cidade ainda estava distante e ele tinha ido longe demais para voltar para casa antes do anoitecer.

Não muito longe da estrada ele viu uma grande casa de fazenda. As venezianas estavam fechadas, mas a luz aparecia por uma fresta no topo das janelas.

— Talvez eles me deixem passar a noite aqui — pensou Pequeno Claus, enquanto ia até a porta e batia nela.

A mulher do fazendeiro abriu, mas quando ouviu o que ele queria, mandou que ele fosse embora. Disse que seu marido não estava e ela não receberia nenhum estranho em casa.

— Então eu vou ter que dormir aqui fora — decidiu Pequeno Claus, já que a mulher batera a porta na cara dele.

Perto da casa da fazenda havia um grande palheiro, cheio de palha até o telhado de um galpão que ficava entre ele e a casa. — É onde vou dormir — disse Pequeno Claus quando reparou na palha. — Vou fazer uma ótima cama. Só espero que a cegonha não voe baixo e morda minhas pernas. — Pois, de fato, uma cegonha estava montando guarda no telhado onde havia feito um ninho.

Então, Pequeno Claus subiu no telhado do galpão. Ao se virar para ficar confortável, descobriu que as venezianas da casa da fazenda não chegavam até o topo das janelas, de modo que ele podia ver por cima delas. Ele podia ver uma sala onde uma grande mesa estava posta com vinho, carne assada e um delicioso peixe. A esposa do fazendeiro e o sacristão estavam sentados à mesa, sozinhos. Ela servia vinho a ele, e ele se servia de peixe. Ele devia gostar muito de peixe.

— Ah, se eu pudesse comer um pouco também — pensou Pequeno Claus. Ao esticar o pescoço em direção à janela, ele viu um grande e apetitoso bolo. — Ora, eles estavam festejando lá!

Nesse momento, ele ouviu alguém vindo para casa pela estrada. Era o fazendeiro retornando. Ele era um homem muito bom, exceto por uma única coisa: não suportava ver um sacristão. Se ele apenas vislumbrasse um, ele ficava furioso, razão pela qual o sacristão havia ido ver a esposa do fazendeiro enquanto o marido dela estava fora de casa. Assim, a boa mulher não podia fazer nada menos do que colocar diante dele todas as coisas boas para comer que ela tinha em casa. Quando ela ouviu o fazendeiro chegando, ficou apavorada pelo sacristão e implorou que ele se esgueirasse para dentro de um grande baú vazio que ficava em um canto da sala. Ele não perdeu tempo, porque sabia muito bem que o humilde marido dela não suportava ver um sacristão. A mulher rapidamente pôs de lado o vinho e escondeu a boa comida em seu forno, porque se o marido descobrisse o banquete, ele faria perguntas difíceis de responder.

Oh, céus! — suspirou lá em cima do galpão Pequeno Claus, ao ver toda a comida boa desaparecer.

— Quem está aí em cima? — perguntou o fazendeiro, olhando para Pequeno Claus. — O que você está fazendo aí em cima? Venha para dentro de casa comigo. — Então Pequeno Claus desceu, contou ao fazendeiro como havia se perdido, e perguntou se poderia ter abrigo durante a noite.

— Claro — concordou o fazendeiro —, mas primeiro vamos comer alguma coisa.

A esposa do fazendeiro recebeu-os bem, preparou toda a mesa, e colocou diante deles uma grande tigela de mingau. O agricultor estava com fome e comia com bom apetite; mas Pequeno Claus ficava pensando na boa carne assada, naquele peixe e naquele bolo no forno. Ao lado de seus pés, debaixo da mesa, estava seu saco com o couro de cavalo, pois, como sabemos, ele estava indo vendê-lo na cidade. Não gostando nada do mingau, Pequeno Claus pisou no saco, e o couro seco fez um rangido alto.

— Psiu! — dizia Pequeno Claus ao saco, ao mesmo tempo em que o pisava com tanta força, que ele rangia ainda mais alto.

— Que diabos você tem aí? — perguntou o fazendeiro.

— Ah, apenas um mágico — disse Pequeno Claus. — Ele está me dizendo que não precisamos comer mingau, porque ele fez surgir um forno cheio de carne assada, peixe e bolo para nós.

— O que você está dizendo? — admirou-se o fazendeiro. — Ele apressou-se a abrir o forno, e lá encontrou todos aqueles bons pratos. Sua esposa os havia escondido, mas ele acreditava que tinham sido invocados pelo mágico no saco. Sua esposa não se atreveu a abrir a boca enquanto os ajudava a se fartar de carne, peixe e bolo.

Então Pequeno Claus pisou no saco para fazê-lo ranger novamente.

— O que ele diz agora? — perguntou o fazendeiro.

— Ele diz — respondeu Pequeno Claus — que há três garrafas de vinho para nós no canto próximo do forno.

Então, a mulher teve que trazer o vinho que ela havia escondido. O fazendeiro bebeu até ficar feliz, e queria ter para ele um mágico igual ao que Pequeno Claus carregava em seu saco.

— Ele pode fazer o diabo aparecer? — o fazendeiro perguntou. — Estou com vontade de conhecê-lo.

— Ah, sim — disse Pequeno Claus. — Meu mágico pode fazer qualquer coisa que eu peça. Você não pode? — perguntou ele, e pisou no saco até que rangesse. — Você o ouviu responder? Ele disse que sim. Ele pode invocar o diabo, mas tem medo de que não gostemos da aparência dele.

— Oh, eu não estou com medo. Como ele é?

— Bem, ele se parece muito com um sacristão.

— Oh — disse o fazendeiro — tão feio assim? Não suporto ver um sacristão. Mas não deixe que isso nos detenha. Agora que sei que é apenas o diabo, não vou me importar tanto com isso. Vou encará-lo, contanto que ele não se aproxime de mim.

— Espere, enquanto falo com meu mágico. — Pequeno Claus pisou no saco e se abaixou para ouvir.

— O que ele disse? — perguntou o fazendeiro.

— Ele disse para você abrir aquele baú grande no canto, e dentro dele vai encontrar o diabo encolhido. Mas deve segurar bem a tampa, para ele não sair.

— Você pode me ajudar a segurá-la? — pediu o fazendeiro. — Ele foi até o baú em que sua esposa havia escondido o sacristão, que primeiro estava assustado, e agora apavorado.  O fazendeiro levantou um pouco a tampa e espiou.

— Opa! — exclamou, pulando para trás. — Eu o vi, e ele é a imagem do nosso sacristão, uma visão horrível! — Depois disso, eles precisaram de outra bebida e ficaram sentados lá bebendo noite adentro.

— Você tem que me vender seu mágico — disse o fazendeiro. — Pode dar o preço que quiser. Eu te pagaria um alqueire de dinheiro agora mesmo.

— Oh, eu não poderia fazer isso — disse Pequeno Claus. — Apenas pense em quão útil é meu mágico.

— Mas eu gostaria tanto de tê-lo. — O fazendeiro continuava implorando para comprá-lo.

— Bem — disse Pequeno Claus, finalmente, — você foi muito gentil ao me hospedar por uma noite, então não posso dizer não. Você terá o saco por um alqueire de dinheiro, mas deve estar cheio até a borda.

— Você o terá — disse o fazendeiro. — Mas deve levar esse baú junto com você também. Não vou ficar com ele em casa nem mais uma hora. O diabo ainda pode estar lá dentro, nunca se sabe.

Assim, Pequeno Claus vendeu seu saco com o couro de cavalo seco e recebeu um alqueire de dinheiro, cheio até a borda. O fazendeiro também lhe deu um carrinho de mão, para levar o dinheiro e o baú.

— Adeus — disse Pequeno Claus, e foi embora com seu dinheiro e o baú com o sacristão dentro.

Do outro lado da floresta havia um rio profundo e largo, onde a corrente era tão forte que era quase impossível nadar contra ela. Uma ponte grande havia sido construída sobre o rio e, quando Pequeno Claus chegou ao meio dela, disse bem alto, para que o sacristão pudesse ouvi-lo:

— Ora, o que estou fazendo com esse baú inútil? É pesado como pedra, e estou cansado demais para continuar carregando-o. Então, vou jogá-lo no rio; se ele flutuar até minha casa, está bem, mas se afundar, não perderei grande coisa. — Então ele inclinou um pouco o baú, como se estivesse prestes a jogá-lo no rio.

— Pare! Não! — gritou o sacristão lá de dentro. — Deixe-me sair primeiro.

— Oh — disse Pequeno Claus fingindo estar assustado, — não é que ele ainda está lá dentro? Então é melhor jogá-lo no rio e afogá-lo.

— Ah, não, não faça isso comigo! — o sacristão gritou. — Eu daria um alqueire de dinheiro para sair dessa situação.

— Bem, isso é totalmente diferente — disse Pequeno Claus, abrindo o baú. O sacristão pulou para fora no mesmo instante, empurrou o baú vazio para a água e correu para casa para dar a Pequeno Claus um alqueire de dinheiro. Com o alqueire do fazendeiro e o alqueire do sacristão, Pequeno Claus estava com o carrinho de mão bem cheio.

— Consegui um bom preço pelo meu cavalo — disse ele quando chegou em casa e esvaziou todo o dinheiro em uma pilha no chão de seu quarto. — Grande Claus vai ficar furioso quando descobrir que meu único cavalo me deixou tão rico. Mas não vou dizer-lhe como consegui. — Então ele mandou um menino pedir emprestado uma medida de alqueire do Grande Claus.

— O que será que ele quer com isso? — perguntou-se Grande Claus, e espalhou piche no fundo da medida de alqueire para que um pouco do que Pequeno Claus medisse ficasse grudado. E assim aconteceu que, quando ele recebeu sua medida de volta, encontrou três moedas de prata recém-cunhadas grudadas nela.

— O que é isso? — Grande Claus correu para ver Pequeno Claus. — Onde você conseguiu tanto dinheiro?

— Oh, isso é o que ganhei pelo couro de cavalo que vendi ontem à noite.

— Céus! Como o preço das peles deve ter subido. — Grande Claus correu para casa, pegou um machado e bateu na cabeça de todos os quatro cavalos. Então ele arrancou suas peles e partiu para a cidade com elas.

— Peles, peles! Quem vai comprar peles? — gritava ele, para cima e para baixo nas ruas. Todos os sapateiros e curtidores vieram correndo perguntar qual era o preço. — Um alqueire de dinheiro cada pele — disse-lhes.

— Você está louco? — eles perguntaram. — Você pensa que gastamos dinheiro por alqueire?

— Peles, peles! Quem vai comprar peles? — continuava ele gritando, e, para aqueles que perguntavam quanto custava, ele dizia: — Um alqueire de dinheiro.

— Ele pensa que somos tolos — disseram eles. Os sapateiros tomaram suas tiras, e os curtidores seus aventais de couro, e bateram em Grande Claus pela cidade.

— Peles, peles! — zombaram dele. — Vamos curtir sua pele se você não sair da cidade. — E Grande Claus teve que correr o mais rápido que pôde. Ele nunca apanhara tanto.

— Pequeno Claus vai me pagar — disse ele quando voltou para casa. — Vou matá-lo por isso.

Acontece que a velha avó do Pequeno Claus havia acabado de morrer. Ela havia sido sempre muito mal-humorada, e nunca tinha uma palavra gentil para ele. Mas, ainda assim, ele estava triste por vê-la morrer. Ele colocou a mulher morta em sua própria cama quente, para o caso de ela voltar à vida, e a deixou deitada lá a noite toda, enquanto ele cochilava em uma cadeira, no canto, como fizera tantas vezes antes.

Enquanto ele estava sentado lá durante a noite, a porta se abriu e Grande Claus entrou com um machado. Ele sabia exatamente onde ficava a cama do Pequeno Claus; então foi direto até ela e bateu na cabeça da avó morta, achando ser Pequeno Claus.

— Pronto — disse ele. — Você não vai me enganar de novo. — E foi para casa.

— Que homem mau! — pensou Pequeno Claus. — Ora, ele teria me matado. É uma sorte para minha avó que ela já estivesse morta, ou ele causaria sua morte.

Ele vestiu sua velha avó com sua melhor roupa de domingo, pegou emprestado o cavalo de um vizinho e atrelou sua carroça. No banco de trás, apoiou a avó, firmando-a para que os solavancos não a derrubassem, e foram embora pela floresta.

Quando o sol nasceu, pararam ao lado de uma grande estalagem, onde Pequeno Claus entrou para tomar seu café da manhã. O estalajadeiro era um homem rico, e um bom sujeito à sua maneira, mas tinha um temperamento tão esquentado, que parecia ser feito de pimenta e rapé.

— Bom dia! — disse ele ao Pequeno Claus. — Você já está de pé e vestido bem cedo!

— Sim — disse Pequeno Claus. — Estou indo para a cidade com minha velha avó, que está sentada lá na carroça. Não consigo convencê-la a entrar, mas você pode levar-lhe um copo de hidromel. Você vai ter que gritar para que ela o ouça, pois ela é surda como um poste.

— Vou levar imediatamente. — O estalajadeiro encheu um copo de hidromel e o levou para a avó morta, que estava sentada rigidamente na carroça.

— Seu neto enviou-lhe um copo de hidromel — disse o estalajadeiro. Mas a morta não dizia uma palavra. Ficava apenas sentada lá.

— Não está me ouvindo? — gritou. — Aqui está um copo de hidromel do seu neto.

Vez após vez ele gritou, e ela não se mexeu. Ele ficou tão furioso que jogou o copo na cara dela. O hidromel espirrou em cima dela e ela caiu para trás, pois estava apenas apoiada e não amarrada no lugar.

— Mas que diabos! — Pequeno Claus saiu correndo pela porta e pegou o estalajadeiro pela garganta. — Você matou minha avó. Olhe! Há um grande buraco na testa dela.

— Oh, que calamidade! — disse o estalajadeiro, torcendo as mãos. — E tudo por causa do meu temperamento explosivo. Querido Pequeno Claus, dou a você um alqueire de dinheiro e enterro a tua avó como se fosse minha própria. Mas você deve se calar sobre isso, ou eles vão cortar minha cabeça, e eu odiaria isso.

Então aconteceu que Pequeno Claus ganhou mais um alqueire de dinheiro, e o estalajadeiro enterrou a velha avó como se ela fosse dele.

Assim que Pequeno Claus chegou em casa, ele mandou um menino pedir emprestado uma medida de alqueire do Grande Claus.

— Pequeno Claus a quer emprestada? — perguntou Grande Claus. — Mas eu não o matei? Vou averiguar isso. — Então ele mesmo levou a medida para Pequeno Claus.

— Onde conseguiu todo esse dinheiro? — perguntou, quando viu a altura da pilha de dinheiro.

— Quando você matou minha avó ao invés de me matar — respondeu Pequeno Claus —, eu a vendi por um alqueire de dinheiro.

— Céus! Esse foi realmente um bom preço — disse Big Claus. Ele correu para casa, pegou um machado e bateu na cabeça de sua velha avó. Então, colocou-a em uma carroça, foi para a cidade e perguntou ao boticário se ele queria comprar um cadáver.

— De quem é o cadáver? — perguntou o boticário. — Onde você conseguiu?

— É o cadáver da minha avó. Eu a matei por um alqueire de dinheiro — disse Grande Claus.

— Meu Deus! — disse o boticário. — Homem, você deve estar louco. Não fale assim ou eles vão cortar sua cabeça. — Então lhe disse claramente que cometera um ato perverso, que ele era um sujeito terrível, e que o pior dos castigos era bom demais para ele. Grande Claus ficou assustado. Pulou em sua carroça, chicoteou os cavalos e dirigiu para casa o mais rápido que eles puderam correr. O boticário e todos os outros pensaram que ele devia ser um louco e, por isso, não tentaram detê-lo.

— Você vai pagar por isso — disse Grande Claus quando chegou à estrada. — Ah, eu vou fazer você pagar por isso, Pequeno Claus! — Assim que chegou em casa, pegou o maior saco que encontrou, foi ver Pequeno Claus e disse:

— Você me enganou de novo. Primeiro matei meus quatro cavalos. Depois matei minha velha avó, e é tudo culpa sua. Mas vou me certificar de que você não me faça de bobo novamente. — Então pegou Pequeno Claus e o colocou no saco, pendurou-o nas costas e disse-lhe: — Agora vou te levar e afogar.

Era um longo caminho até o rio, e Pequeno Claus não era uma carga leve. A estrada passava pela igreja, e, ao passar, eles podiam ouvir o órgão tocando e as pessoas cantando muito lindamente. Grande Claus colocou o saco do lado de fora da porta da igreja. Acreditou que a melhor coisa a fazer era entrar para ouvir um hino antes de prosseguir. Pequeno Claus estava bem amarrado no saco, e todas as pessoas estavam dentro da igreja. Então Grande Claus também entrou.

— Oh, meu Deus, meu Deus! — Pequeno Claus suspirava no saco. Ele se contorcia o mais que podia, mas não conseguia afrouxar o nó. Então, apareceu um velho tropeiro de cabelos brancos, apoiado pesadamente em seu cajado. A manada de touros e vacas que ele conduzia colidiu com o saco em que Pequeno Claus estava e o derrubou.

— Oh, Deus — suspirou Pequeno Claus —, sou tão jovem para ir para o céu.

— Enquanto eu — disse o vaqueiro —, estou velho demais para esta terra, e ainda assim o Céu não me chama.

— Abra o saco! — Gritou Pequeno Claus. — Entre e tome o meu lugar. Você irá direto para o céu.

— É onde quero estar — disse o tropeiro, enquanto desatava o saco. Pequeno Claus pulou para forma imediatamente.

— Você deve cuidar do meu gado — disse o velho, enquanto se arrastava para dentro. Assim que Pequeno Claus amarrou o saco, foi embora de lá com todos os touros e vacas.

Logo Grande Claus saiu da igreja. Ele pegou o saco nas costas e achou-o leve, pois o velho tropeiro não pesava mais do que a metade do Pequeno Claus.

— Como meu fardo ficou leve. Tudo porque ouvi um hino — disse Grande Claus. Ele foi até o rio profundo e largo e jogou o saco com o velho tropeiro na água.

— Você nunca mais vai me enganar — disse Grande Claus, pois pensou ter visto o último respingo do Pequeno Claus.

Começou a retornar para casa e, quando chegou à encruzilhada, encontrou Pequeno Claus e todo o seu gado.

— De onde é que você veio? — Exclamou Grande Claus. — Eu não acabei de afogar você?

— Sim — disse Pequeno Claus. — Você me jogou no rio meia hora atrás.

— Então, como você conseguiu um rebanho de gado tão bom? — quis saber Grande Claus.

— Ah, eles são gado marinho — disse Pequeno Claus. — Vou te contar como eu consegui, porque estou muito agradecido a você por ter me afogado. Sou um homem feito agora. Nem consigo explicar o quão rico eu sou.

— Mas, dentro do saco, com o vento assobiando em meus ouvidos quando você me jogou da ponte na água fria, eu estava muito assustado. Fui direto para o fundo, mas não me machuquei por causa de toda a grama macia e fina que há lá embaixo. Alguém abriu o saco e uma linda donzela pegou minha mão. Suas roupas eram brancas como a neve, e ela tinha uma grinalda verde em seu cabelo flutuante. Ela disse: “Então você veio, Pequeno Claus. Aqui está um rebanho para você; mas eles são apenas o começo dos meus presentes. Uma milha mais adiante na estrada, outro rebanho espera por você.” Então vi que o rio é uma grande estrada para as pessoas que vivem no mar. No fundo do rio eles caminham e levam seu gado direto do mar para a terra onde os rios terminam. As flores lá embaixo são perfumadas. A grama é fresca, e os peixes voam como os pássaros aqui em cima. As pessoas são amáveis, assim como o gado que vem pastando na beira da estrada.

— Então, por que você voltou tão cedo? — Grande Claus perguntou. — Se tudo é assim tão bonito, eu teria ficado lá.

— Bem — disse Pequeno Claus —, estou sendo particularmente esperto. Você se lembra que eu disse que a donzela falou para eu subir uma milha pela estrada e eu encontraria outro rebanho? Por “estrada” ela quis dizer o rio, pois é a única maneira que ela viaja. Mas, eu sei como o rio faz muitas curvas, e me pareceu uma maneira muito tortuosa de chegar lá. Vindo por terra, peguei um atalho que me economizou meia milha. Então, posso pegar meu gado muito mais cedo.

— Você é um homem de sorte — disse Grande Claus. — Você acredita que eu também conseguiria algum gado se eu descesse até o fundo do rio?

— Ah, tenho certeza de que sim — disse Pequeno Claus. — Só não espere que eu leve você até lá em um saco, porque você é muito pesado para mim; mas se você for até o rio e se enfiar no saco, eu o jogarei com o maior prazer.

— Obrigado — disse Grande Claus —, mas, lembre-se, se eu não pegar um rebanho de gado marinho lá embaixo, vou te dar uma surra, acredite em mim.

— Será que vai mesmo? — pensou consigo Pequeno Claus.

Ao chegarem ao rio, o gado sedento viu a água e correu para beber. Pequeno Claus disse: — Veja como estão com pressa para voltar ao fundo do rio.

— Ajude-me a chegar lá primeiro — ordenou Grande Claus —, ou vou te dar aquela surra agora mesmo. — Ele lutou para entrar no grande saco, que estava nas costas de um dos animais. — Coloque uma pedra aqui dentro, pois tenho medo de não afundar — disse Grande Claus.

— Fique tranquilo quanto a isso — disse Pequeno Claus; mas colocou uma grande pedra no saco, amarrou-o com força e o empurrou para o rio.

Tchibum! A água voou para cima, e Grande Claus desceu até o fundo.

— Creio que ele não vai encontrar o que eu encontrei! — disse Pequeno Claus, enquanto conduzia todo o seu gado para casa.

© Marco Antonio Simoes 2022