Desde os tempos antigos a humanidade se interessa pela leitura. O rei assírio Assurbanipal, no século VII a.C., por exemplo, organizou uma biblioteca de 22.000 tabuinhas de argila e outros textos e declarou: “Tive alegria na leitura de inscrições em pedra da época anterior ao dilúvio”.1
A prática da leitura está intrinsecamente ligada à história da humanidade, e do homem como indivíduo. De fato, o historiador Roger Chartier afirma que a história da leitura é a história de cada leitor, e que “cada leitor, a partir de suas próprias referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou menos singular, mais ou menos partilhado, aos textos do qual se apropria”. 2 Além disso, uma história compreensiva das práticas de leitura deve ser contemplada com a história de seus suportes materiais, seus modos de utilização, de compreensão e de apropriação do texto.
Todo texto necessita de um suporte sobre o qual ele deva ser fixado. Assim, o objeto de leitura, além dos caracteres agrupados semanticamente, constitui-se também desse suporte, e se torna parte do conjunto do que lemos e, como tal, interfere na prática da leitura. Conforme ensina o pesquisador Guglielmo Cavallo, “é preciso considerar que as formas produzem sentido e que um texto se reveste de uma significação e de um estatuto inéditos quando mudam os suportes que o propõe à leitura”. Assim, fazer uma história das práticas de leitura implica tanto no levantamento dos usos históricos do livro como nas várias formas particulares que o material impresso assumiu. O próprio Chartier afirma que “lemos Platão, Tucídides, Heródoto ou Sófocles como se houvessem escrito códices, ou, ainda, textos feitos para a imprensa, de modo que se esquece que as formas materiais implicam formas de entendimento dos textos”. Ainda ensina Chartier:
“...a forma do objeto escrito dirige sempre o sentido que os leitores podem dar àquilo que lêem. Ler um artigo em um banco de dados ele- trônico sem saber nada da revista na qual é publicado, nem dos artigos que o acompanham e ler o mesmo artigo no número da revista na qual apareceu, não é a mesma experiência. O sentido que o leitor constrói, no segundo caso, depende de elementos que não estão presentes no próprio artigo, mas que dependem do conjunto dos textos reunidos em um mes- mo número e do projeto intelectual e editorial da revista ou jornal.”
Assim, antes de passar a uma consideração histórica das práticas de leitura, convém mencionar os suportes convencionais do texto escrito, uma vez que influenciam sobremaneira na prática da leitura, e também serão referidos com frequência na pesquisa.
Introdução <—————> 2. Referências bíblicas à prática da leitura